relatório

às vezes eu passo por essa rua e lembro de olhar as colunas, dobrando a minha e erguendo a vista até perder a conta dos andares (dos prédios e das pernas). vendo agora os muros, bases e pilares tão sólidos e calados imagino o caos da lenta gestação, ou melhor, do seu longuíssimo parto e o ranger de ferro, a dor da dobra do aço, os tapas de cimento, o tempo ressecando o concreto, a luta contra a força do chão, a erupção da pedra. crescer machuca a pele da cidade, expandindo os órgãos, esticando as veias e o esgoto, alargando as marcas da cara no mapa e estreitando cada um dos seus fios. a raiz empurra a calçada e rouba a sombra da varanda poente. a boceta da terra está aberta.

Um comentário:

  1. sim, Daniel, está aberta e há tanto tempo é violada sem que ninguém e nem mesmo os poetas possam resgatá-la desse estupro que não termina, que desespera, que seca e fenece os melhores anseios dela, em se dar, silenciosa e ininterruptamente há quantos milhões de anos, para quem não quer, não quer, não quer.

    as cidades são as feridas da Terra
    mas sempre há as flores que nascem do asfalto.
    beijo

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