carranca

a criança encarava a carranca e sorria
à margem do rio onde corria seu sangue

enquanto escavava a memória, o tempo,
artesão das dores, entalhava sua cara

enxergava agora os sulcos dos olhos
tristes da figura e sorria seu zelo

o monstro escancarava a bocarra de besta
em seu terrível orgulhodesespero

coitadaterrível, presa em si mesma,
querendo ainda morder a terra e arrancar
o suco
mas indo fincar os dentes na lama
do fundo

o berro da dor encravada gritava
cansada seu final estertor

o horror do mistério do fim do pavor
de quem já não assusta, afugenta ou afasta

de quem já não espanta sequer a criança
que dela só se apieda, tão frágil e exposta

entre as últimas cores do céu e o ardor
das águas, a garganta entrevada clama guarida

sua força já se instala no infante
já não suporta o peso à frente
do barco que quer descansar

o menino entende e só ri, sozinho

seu riso diz sim, pode ir
que é na espuma da vaga,
que encontro o caminho

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