na estrada

Na estrada insetos transformam-se em manchas e bichos em asfalto. Eu era um carro impelido a esmagar o tempo. Abelhas e libélulas se (des)manchavam no meu pára-brisas, revelando-se etéreos amontoados de plasma. Belas borboletas pareciam crianças brincando cegas em cores fortes. Mais uma de suas metamorfoses: em menos de um segundo eram sujeira e mais nada. Eis a velocidade como passamos pela infância crendo tornarmo-nos algo melhor.


E outros insetos repetiam a cena: diluíam-se diante de mim como gotas de uma chuva calma no vidro. Uma após a outra, leves. Eu queria chegar em casa. Mas para sentir-me nela era preciso encontrá-la. Bichos eu não atropelava. Mas outros motoristas sim, a estrada fazia questão de mostrar seu lado cru, interno, intenso, sangue e carne. E os urubus lembrando a vida após a morte. E eu querendo continuar a viver com o algo de mim que havia morrido. Precisava me decompor, me recompor e a viagem enfim revelara sua importância.


Sim, eu viajante cobrava explicações da viagem a que tinha dado causa. Mas o foco no acostamento verde apenas trazia o enjoo das imagens fugidias. Somente o passado e o distante pareciam definíveis à projeção e à memória.

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